Transtorno de déficit de atenção atinge entre 3% e 7% da população mundial e é um dos distúrbios mais estudados atualmente
Sempre dizem que você tem que prestar mais atenção? Que é muito desligado, desorganizado e esquecido? Que é um atrasado contumaz? Que começa tudo e não termina nada? Que quer tudo e não faz nada? Fique atento, você pode ter Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH).
Segundo o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, da Associação Americana de Psiquiatria, a patologia é considerada um dos distúrbios comportamentais mais frequentes na infância: atinge entre 3% e 7% em crianças em idade escolar no mundo inteiro. Os sintomas caracterizam-se por dificuldade em sustentar a atenção e em inibir pensamentos de distração e por agitação motora.
De acordo com o psiquiatra Luiz Carlos de Oliveira Junior, professor do Instituto de Medicina da UFU, a descoberta do transtorno não é recente. A primeira descrição de crianças com sintomas de desatenção e hiperatividade é de 1864 e o primeiro trabalho científico sobre o tema foi realizado em 1902. Atualmente, o TDAH é reconhecido pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Oliveira Junior ressalta: “há pessoas com déficit de atenção e hiperatividade que passam a vida toda sem terem sido diagnosticadas”.
O psiquiatra esclarece que o TDAH jamais se inicia quando o indivíduo é adulto. Por definição, a criança já nasce com a doença. Para fazer o diagnóstico em outras fases da vida é preciso investigar como foi a evolução da enfermidade na infância. Em geral, o transtorno evolui com a melhora dos sintomas em adolescentes e adultos, mas parte das crianças continua com o problema por toda a vida. De acordo com o médico, o TDAH persiste na fase adulta em cerca de 60 a 70% dos casos.
Existem três tipos clínicos do TDAH: o predominantemente hiperativo ou impulsivo, o predominantemente desatento e o tipo misto. Na criança, a hiperatividade está ligada aos movimentos. São aquelas agitadas, que agem sem pensar, impossíveis de serem contidas. As hiperativas se machucam mais e sofrem maior número de acidentes, não têm paciência, interrompem quem está falando, intrometem-se na conversa alheia. Segundo o psiquiatra, o TDAH fica mais evidente nos meninos, porque eles são naturalmente mais hiperativos e incomodam mais do que as garotas. Ele esclarece, ainda, que elas tendem mais à distração, sem apresentar o componente da hiperatividade. Desse modo, nelas, o risco de que o problema passe despercebido é maior.
Nos adultos, conforme a Associação Brasileira do Déficit de Atenção (ABDA), as funções executivas que podem encontrar-se deficitárias no TDAH são mais evidentes. Oliveira Junior explica que as funções executivas capacitam o indivíduo para o desempenho de ações voluntárias, independentes, autônomas, auto-organizadas e orientadas para metas. Assim, os adultos com o transtorno têm dificuldades em se organizar em relação a tempo e espaço, manter-se no emprego e estar em relacionamentos estáveis; têm menor escolaridade (decorrente da doença enquanto criança) e maior probabilidade de envolver-se em acidentes e criminalidade.
Mariana Silva Lima, 27, psicóloga, possui TDAH e conta: “as pessoas não entendiam minha dificuldade de manter o foco na escola. Eu sofria muitas vezes por meus pais me compararem com minha irmã, que não possui problema de concentração”. Ela pontua: “Meus pais me consideravam preguiçosa”.
A psicóloga era taxada “como quem deixava as coisas para lá”. Diziam: “ela não tem jeito”. Ela relata que queria muito conseguir ser como a irmã, concentrar-se, fazer o dever de casa. “Toda tarde minha mãe chegava em casa e o dever da minha irmã estava terminado e o meu só tinha a metade das questões feitas, o que irritava meus pais e fazia com que eles brigassem comigo”, acrescenta.
“Eu sempre desconfiei de que existisse algo que não facilitava a minha vida. Afinal, por que minha irmã conseguia fazer um ‘para casa’ inteiro e eu não conseguia? Eu queria conseguir. Terminar as coisas não é meu natural, eu me esforço muito, eu me obrigo”, relata Lima.
Doenças associadas
Segundo a ABDA, é típico do TDAH estar associado a outras doenças em qualquer faixa de idade do paciente. Nas crianças, além da ansiedade, aparecem os transtornos de conduta que não decorrem só da distração. São dificuldades de aprendizado específicas como dislexia (dificuldade para compreender o que lê), disgrafia (dificuldade para escrever) e discalculia (dificuldade para fazer cálculos). Nos adolescentes, estudos mostram que o problema maior é a tendência ao abuso de drogas. Ainda não existe uma explicação científica para esses fatos.
Ambulatório UFU
Para ser atendido no Ambulatório de Psiquiatria da UFU é necessário que um médico da Rede Municipal de Saúde encaminhe o paciente. A marcação da consulta ocorre via sistema da própria rede. Conforme o psicólogo, a medicação não está disponível gratuitamente. Para ele é necessário que se crie uma política pública para o TDAH envolvendo os sistemas de educação e saúde, como ocorre em outras doenças psiquiátricas que atingem menor número de pessoas.